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Minha amiga, cramou, acabou

Dizia uma vendedora de flores em entrevista à Rtp, que o negócio (ela vende à porta do cemitério da Ajuda) vai mal, porque minha amiga, com as cramações, cramou, acabou. Ou seja, a pessoa quando é queimadinha que nem incenso já não tem direito a mais homenagens, a mais salamaleques. Mas quando está numa campa normal, sim. Há a campa ou jazigo, há a lápide, há as visitas todos os meses quando se sente a falta, ou só pelos aniversários e pelo dia de fiéis defuntos, quando se tem menos tempo. Há aquela competição cega sobre quem tem as campas melhor arranjadas, e limpinhas, e há a indignação após um temporal ou um assalto a cemitério (maganos, roubaram as flores do meu Quimbé, não há desgraça que não lhe aconteça nem depois de morto!). Enfim, um mundo de perpetuação da memória do defunto. Mas a cremação até é porreirinha, porque é mais higiénica e tal, e acaba com o panorama deprimente que são as campas abandonadas. Às vezes apenas a terra com uma plaquinha com o número. Que até serve de elevação para o pessoal que vai a funerais ver melhor o enterro. Acho delicioso ouvir gente dizer que dá azar pisar campas, cruzes credo, Deus nosso Senhor nos livre, mas que os montes de terra, como estão ao abandono, são terras de ninguém. Queiram elas ter familiares fofinhos que lhes façam campa e levem flores. Ou então que cremem. Porque cremou, acabou.

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