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A vida é o que fazes com ela II

Sentada nas escadas de um metro chorava a sua sina. Na mão as receitas das coisinhas sem as quais ela não poderia sobreviver. Coisinhas essas que se engoliam com água, ou se dissolviam na boca. Coisinhas essas que são caras, e o dinheiro que não chega para tudo.
Poderia tentar perceber como chegou ali. Como há 50 anos atrás a vida lhe parecia tão risonha. Nesses tempos a saúde não era preocupação; o marido e os filhos que depois vieram, promessas de alegria. Uma vida tão madrasta, a trabalhar no mercado de sol a sol, o chegar a casa e tentar dar um jeito, os filhos a crescer e a arranjarem problemas, o marido a beber e a descarregar nela e nas garrafas frustações de uma vida menor. Uma vida que podia ser tudo e acabou por não ser nada. Podia pensar onde é que errou, talvez não estivesse fadada para grandes feitos, e ser feliz um deles.
E agora, sentada nos degraus de um metro, o marido há muito enterrado, os filhos espalhados por vários estabelecimentos prisionais, a pensão que para nada dá, o buraco onde vive, a comida que não come, as dores que não a largam, o choro miudinho que não atrai a esmola de quem passa, os empurrões, as pisadelas, a incompreensão, agora ela pensa que afinal a vida não é o que fazes com ela.

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