Desde pequena que sempre me fez confusão a diferença de tratamentos. Todos me tratavam por "tu"; porém, eu não podia responder na mesma moeda, sob pena de incorrer nalguma sanção disciplinar por falta de respeito.
Os meus pais por tu. Os meus avós por você. A minha tia por tu. Ora, sendo certo que passei a maior parte da infância com os meus avós, não percebia por que raio os tratava por você e à minha tia por tu, se viviam todos na mesma casa, eram todos mais velhos que eu e todos me tratavam por tu. Uma questão de respeito, disseram os meus pais. Mas vocês não merecem respeito também? Não é isso, somos mais tolerantes e não somos tão velhos. A idade merece respeito. A idade pede o "você". Com as minhas outras tias nunca tal problema se colocou: você e tá a andar, nunca houve confiança para mais.
Eis que entro para a escola (escola de queques, como os meus pais gozavam sempre), e sou confrontada com uma estranha realidade: pais tratam filhos por você, filhos tratam pais por você, colegas tratam colegas por você, irmãos tratam irmãos por você. Deixei de perceber a lógica.
Poucas são as pessoas com quem agora me dou que tratam progenitores e afins por você. Avós, quase todos tratamos, porque respeitinho é bonito e eles gostam. Mas pais? Seres que habitam connosco na mesma casa? O que é que o tratamento por você iria implicar? Mais respeito? Nah. Não respeito mais os meus pais só por os tratar por você. Cá para mim, é tudo uma questão de distância. Pais não se misturam com filhos, logo há a barreira do tratamento respeitoso a demarcar. Triste sinal esse. Bem como o tratar as criancinhas na terceira pessoa ("O que é que o Guidobaldo tem? Não mexe! O brinquedo é do Guidobaldo!"). Talvez tenha tudo a ver com a nova educação que se dá às criancinhas. Elas é que sabem, elas é que mandam. Bater não, que é feio e pode vir um sr do MP acusar publicamente de maus tratos. Ralhar também não, traumatiza. Castigos são anti-pedagógicos. Enfim.
Lindo país onde vamos habitar daqui a 10 anos.
Acho que nunca tratei nenhum familiar directamente por "você". A minha mãe matava-me. Aqui entender "você" como tratamento da segunda pessoa do plural, ou seja, tratamento respeitoso :P.